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Choque de realidade para a política externa

Os professores Miriam Saraiva e Paulo Velasco escrevem sobre a política externa do atual governo. Confiram

Ideologia em política externa não é algo incomum, uma vez que, como qualquer política pública, condensa visões de mundo e preferências de perfil ideológico com a necessária adaptação aos limites da realidade e com a busca pragmática por ganhos tangíveis de curto prazo. Nos últimos anos, a política externa dos governos do PT foi tachada de ideológica por diversos críticos. Agora, o presidente eleito Jair Bolsonaro comprometese com a sua desideologização, mas revela preferências internacionais controversas e sem ganhos tangíveis que evidenciam clara ideologia. O melhor anteparo contra os excessos ideológicos costuma vir da própria realidade, tanto no plano interno, quanto no cenário internacional.

Bolsonaro tem defendido determinada moral a ser aplicada à ordem internacional, contra o globalismo e o marxismo cultural, conforme palavras do futuro chanceler, contrariando fundamentos vigentes desde o fim da Guerra Fria como a defesa dos direitos humanos, a preocupação com o meio ambiente e a preferência por soluções multilaterais para problemas globais. Ele declarou a intenção de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém; prometeu grande convergência com os Estados Unidos; criticou a postura predadora da China na economia brasileira e afirmou que retirará o Brasil do Acordo de Paris e do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O seu escudeiro econômico Paulo Guedes já indicou que Argentina e Mercosul não continuarão a gozar da centralidade que sempre tiveram na política externa e comercial do país. Sobre a região, aliás, a intenção evidente é de manter diálogo apenas com países de preferências políticas próximas.

O Brasil tradicionalmente busca legitimar-se junto às organizações internacionais e opta por relacionar-se com parceiros externos de diferentes matizes. Bolsonaro, contrariamente, parece seduzido por caminhos que apontam para poucos parceiros preferenciais, como Estados Unidos e Israel, e tende a afastar-se de espaços sempre caros à diplomacia brasileira como a ONU e a OMC.

A realidade apresenta limites. A trajetória histórica mostra que um alinhamento cego aos Estados Unidos raramente traz dividendos palpáveis. A retirada do Acordo de Paris tende a limitar o comércio com a Uniâo Europeia e uma postura confrontacionista com a China e com os países árabes abre espaço para prejuízos políticos e econômicos importantes. O mesmo vale para Mercosul e Argentina, onde o Brasil têm ganhos expressivos, sobretudo para setores da indústria nacional como o automotivo.

A institucionalidade do Itamaraty também é um obstáculo aos excessos da política externa do futuro governo. As ideias de Bolsonaro tem poucos seguidores na "Casa do Barão”, exceção feita ao futuro chanceler, naturalmente. Como instituição assentada em estrutura burocrática qualificada e ciosa das tradições, dificilmente veremos o Itamaraty corroborando práticas nocivas à identidade internacional do Brasil. É de se esperar que o Ministério sirva de peso inercial para aventuras exóticas e perigosas na comunidade das nações.

Artigo escrito em 15 de dezembro de 2018

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